sexta-feira, 24 de setembro de 2010

“Ninguém percebeu mais o samba perdeu sua voz de lamento” (O Lamento do Samba – Paulo César Pinheiro)


O tempo é um drama. Impossível domá-lo, tampouco, entendê-lo. De tal forma “água que vira vinho só traz loucura” (Estrela partida) já diria esse grande poeta que me faz tentar vencer a folha em branco, já quase amarelada pelo mesmo tempo indomável – certo que essa analogia antiga não cabe mais, mas, por favor, me libertem de profundas especulações. De chulapa, dedico esse pequeno texto para a grandeza do “sergipano mais mesquitense que conheço” e que logo pisará solo carioca para sentir o bumbo do peito ao som do bumbo de sua escola do coração, a bela Portela: Aquino Neto!
Dia desses, com uma empolgação de menino, veio com análises profundas sobre a obra do mestre João Nogueira, aquele nascido no subúrbio dos melhores dias, por coincidência do destino, filho de um sergipano... Atento à sua fala, sugeri observar o mais constante parceiro do grande sambista. Na verdade, sempre aconselho as pessoas a olharem mais para os letristas! Tempos idos, me presenteia com o belíssimo cd O Lamento do Samba de Paulo César Pinheiro que um tanto acanhado, degustando uma germana (quem conhece cachaça mineira sabe do que estou falando) passo descrever para vocês. Afinal, bate papo bom se conduz em mesa de bar!
Lançado em janeiro de 2004 pelo selo Quelé (parceria entre a ótima Biscoito Fino e a maravilhosa Acari Records), O Lamento do Samba é uma ode ao samba, belíssimo trabalho blindado por músicos esplêndidos e talentosos e que demonstra o trabalho autoral de Paulo César Pinheiro (sem parcerias).
A música que abre essa verdadeira enciclopédia do samba dá nome ao disco, com versos certeiros e melodia belíssima, Paulo César Pinheiro demonstra que não é só um excelente poeta como um compositor preciso. Ao mesmo tempo, faz uma importante critica sobre a trajetória do samba na contemporaneidade:

Nos dias de hoje
O samba ficou diferente
Não tem mais dolência
Mudou a cadência
E o povo nem sente
Sua melodia
É uma falsa alegria
Que passa com o vento
Ninguém percebeu
Mas o samba perdeu
Sua voz de lamento.

Quando eu canto na roda de samba
Um samba que é mais antigo
A moçada se cala, escuta, aprende,
E ainda canta comigo
O que falta pra quem faz um samba
É a tristeza que vem de outro tempo.
Quem não sabe a ciência do samba
Vai fazer o que pede o momento.
O segredo da força do samba
É a vivência do seu fundamento.
O que faz ser eterno um bom samba
É a beleza que tem seu lamento.

Sem dúvidas Pinheiro tem autoridade para falar da “ciência do samba”... O arranjo de Maurício Carrilho (violão na faixa), acompanhado pelo majestoso cavaquinho de Luciana Rabello e pelo bandolim de Pedro Amorim deixa a letra mais melancólica e saudosista, muito, também, graças ao ritmo conduzido pela baqueta do bom e velho Wilson das Neves (bateria e tamborim) e cia.
A já citada rapidamente, Estrela partida é outro belíssimo samba, acompanhado pelos mesmos instrumentista, mas com ótimas pitadas de flauta (Marcelo Bernardes) clarinete (Pedro Paes) e clarone (Rui Alvim). Destaque para o ótimo coro composto nada mais nada menos por: Alfredo Del-Penho, Amélia Rabello, Ana Rabello, Anna Paes, Cristina Buarque, Pedro Paulo Malta.
Uma das canções que mais mexem comigo, é a faixa Nomes de Favelas – sem comentários. O texto todo poderia ser sobre ela! Só uma palavra: sambão! Sim, sambão, daqueles de todo mundo cantar junto na roda com copo de cerveja na mão! Destaque pro Wilson das Neves na cuíca...
Gosto muito também da canção As pedras se cruzam, muito por conta do violão do Maurício Carrilho... Na verdade, o conjunto: Bateria (Wilson das Neves), Baixo elétrico (Dininho), mais o violão dá um quê interessante ao “samba-despedida-recordação”:

Apesar
Da vida nos separar
A gente vai se encontrar
Em qualquer canto de rua.
De manhã,
Numa esquina de algum lugar
De tardinha num vão de bar
Ou numa noite de lua.


Amor ausente é outra pérola dos cadernos do Paulo César Pinheiro, destaque para o solo de trombone de Roberto Marques. Você jamais e Fechado por dentro são canções impecáveis, principalmente, pelo coro e flauta (Álvaro Carrilho) na primeira e o sax tenor na segunda (Eduardo Neves).
Sublime paixão, que palavra? Sublime! Sublime o cavaquinho da Luciana Rabello, o violão de sete cordas tocado pelo Maurício Carrilho... Vale a citação dos versos iniciais: “Paixão é o delírio de quem se entrega/ É arrebentação que carrega/ É a raíz de onde brota a loucura”.
A faixa seguinte, Samba de tristeza, o terno flauta (Marcelo Bernardes), clarinete (Pedro Paes) e clarone (Rui Alvim) executam frases impecáveis de merecer moldura na parede. Mais uma letra forte, marca profunda do trabalho de Pinheiro.
Mais uma vez, Maurício Carrilho demonstra precisão nas 7 cordas do violão e harmonia a levada do cavaquinho de Luciana Rabello... o ritmo conduzido majoritáriamente por Celsinho Silva (tamborim, pandeiro, ganzá e agogô) e por Cabelinho (bumbo) dá a esse samba aquela atmosfera noturna gostosa do subúrbio. Temporário, é outra bela canção que merece atenção e cerveja gelada!
Atenção ao tamborim em Meu sofrimento! É uma sina dá uma levantada no disco, um ar mais churrasqueiro. Considero essa um sambão também para se cantar junto, sei lá, mas acho que merecia um coro a estrofe inicial que se repete duas vezes.
Meia-água tem uma letra otimista, me lembra até um pouco o velho Cartola. Lembra muito aquela coisa do boteco de subúrbio, a parceria do copo, do cara chegar cansado do batente, pedir um traçado de pinga cabisbaixo e de repente aquela batida firme nas costas de alento: o convite para sinuca, para a sueca, pro buraco... Enfim, aquele tipo de hábito que só quem viveu no subúrbio sabe como é!
Fechando com chave de ouro, Quando eu me for é o sambão do disco, tanto que já vem puxado por um tradicional “laia laia laia, laia, laia, laia...”. Primeira estrofe repetida duas vezes, ritmo firme, frases constantes de trombone, o 7 cordas com o bordão firme! Apesar da temática morte permear todo o samba, não é lamento. Não é a morte que Paulo César Pinheiro lamenta nesse seu belo disco, seu lamento é outro, seu lamento realmente é do samba que anda perdido, o bom e velho samba! E isso, nesse cd, meus amigos, vocês vão encontrar de sobra! Valeu Aquino Man! Puta presentão!

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