segunda-feira, 24 de maio de 2010

A Psiquiatria de Aldir Blanc – Vida Noturna


Escrever sobre a mitológica figura de Aldir Blanc Mendes, este carioca nascido no Bairro do Estácio em 2 de setembro de 1946, por si só já se configura uma loucura da minha parte. É como mergulhar num poço sem fundo, sem saber exatamente aonde chegar. Não que o conjunto de sua obra não siga uma linha coesa, não que suas palavras não tenham sentido ou mesmo sua postura como artista brasileiro, mas, muito mais, por mim mesmo: há tanta coisa que eu queria escrever sobre! Ah, quanta coisa!
Se os mais desavisados, acredito que não haja muitos, não souberem de quem se trata, basta assoviar rapidamente canções como “O Bêbado e o Equilibrista”, “Dois prá lá, Dois pra cá”, “Kid Cavaquinho”, “O Mestre Sala dos Mares” e eu ia ficar aqui dias e dias, tempos em tempos, listando seus grandes sucessos em parceria com o grande João Bosco – isso porque citei apenas composições em parceria com este, imagina se eu começasse a citar junto ao seu nome Moacyr Luiz, Paulo César Pinheiro, Maurício Tapajós, Guinga...
Fiquei na dúvida na escolha do disco no qual eu me basearia para falar sobre a arte de Aldir Blanc. Fiquei realmente entre a cruz e a espada. Mais especificamente, entre “Rio, ruas e risos”, Lp de 1984 feito em parceria com Maurício Tapajós, no qual Aldir coloca sua voz malandreada e boêmia em diversas canções, ora dividindo o vocal com Tapajós, ora sozinho, e “Vida Noturna” de 2005. Os dois discos são bons. Vale uma audição minuciosa. Contudo, escolhi aquele de melhor acesso nas prateleiras das boas lojas de cd’s.
Produzido por Moacyr Luz, Thomas Roth e Zé Luiz Soares para a gravadora Lua Discos, “Vida Noturna” é um belíssimo tratado de psiquiatria boêmia e deve ser biscoitinho prateado (que saudade do vinil) certo nas noites de qualquer casa, apartamento, boteco ou reunião de amigos em torno da santa garrafa de cerveja gelada! Antes de tudo: é belo. Mais que tudo: é forte. É um pávido colosso poético! Você realmente estremece ao ouvi-lo. Pois é uma viagem a um cotidiano noturno: e toda escuridão é profunda. E isso o psiquiatra Aldir Blanc Mendes sabe muito bem!
Este cd é marcado, ainda, pela retomada de uma parceria há muito abandonada, é o reatar de uma amizade sonora entre as belas harmonias de João Bosco e as fortes palavras de Aldir Blanc (ver: “Vida Noturna” e “Me dá a Penúltima”, onde, em todas as duas, Bosco também dá o ar de sua graça cantando e tocando violão).
Os cuidadosos arranjos do magnífico Cristóvão Bastos (se não o conhece, já é sacrilégio, porém, basta folhear alguns discos do Chico Buarque ou Edu Lobo e saberás de quem estou falando!) e seu piano muito bem casado com os violões de João Bosco, Moacyr Luz, João Lyra, Guinga e o grande Hélio Delmiro, dá um ar de bar. Dá um cheiro de conhaque. De álcool. Aliás, a parceria de Aldir com este último (“Constelação Maior”) é de chorar por tão belo violão. Hélio Delmiro continuo grande! Com o querido Moa, o poeta da Tijuca, de Vila Isabel, do Estácio... assina “Recreio das Meninas II” e “Dry”, absurdamente boas! Na primeira, a história de um velho apreciador de samba e freqüentador do Renascença (quem é carioca sabe onde fica) é uma viagem maravilhosamente divertida e doce na qual Moacyr Luz e Aldir Blanc dividem o vocal. “Dry” é mais pesada, o eu lírico feminino amargurado é muito bem interpretado pelo próprio Aldir – com voz potente e firme –, o solo de violão de João Lyra sustentado pela segura base do piano de Bastos... sem palavras, eis a letra:

Você foi embora falando que eu era até gente boa
Mulher não tolera essas frases que homem a toa costuma dizer.
Lembro as toalhas molhadas no chão, fios de barba na pia
E rezo a Virgem Maria pra que filha minha não pegue homem assim.
Eu me sentia um cinzeiro repleto das pontas que você deixava
E que ironia essa imagem:
A guimba apagando é quando mais queimava.
Você saiu dando tchau
Brincou que ao meu lado era o tal
Fiquei pendurada no adeus como um velho avental
Foi amor de trapaça e de tara e de beijo na nuca, de tapa na cara
Andei meio louca sem ser maltratada
Parei com esse vício, mas quase morri
Hoje somente se bebo o dia seguinte pode me afetar
É que a secura me lembra teu jeito de amar.


Ainda temos uma parceria com Maurício Tapajós (“Flor de Lapela”); a ótima “Lupicínia” com Jayme Vignoli; “Cordas” com o grande Guinga (que participa com o violão e voz) e, por fim, “Resposta ao Tempo” junto com Cristóvão Bastos, aliás, pianista que deveria ser conhecido pelas novas gerações. “Resposta ao Tempo” com Aldir Blanc e “Todo Sentimento” com Chico Buarque, só estas duas canções, apenas, já deveriam canonizar as harmonias do Cristóvão Bastos na imortalidade!
Sem parcerias, Aldir assina em “Vida Noturna”: “Dois Bombons e Uma Rosa”, “Velhas Ruas” e “Paquetá, Dezembro de 56” que certificam o casamento entre o poeta indiscutível e o ótimo melodista.
“Vida Noturna” é um cd que vale a pena o preço que for para ter na estante, como um livro, como um tratado. 12 músicas. 12 respostas ao tempo. Depois de ouvir “Vida Noturna”, só posso citar o próprio mestre (e esse é o tratamento dado por Moacyr Luz a Aldir Blanc): “Um riso de aurora e a pressão subiu/ Peguei meu remédio, mas as mãos tremiam e o vidro caiu/ Chutei a caixinha, pedi caipirinha, pernil e café/ Receita infalível pro meu coração é um corpo moreno de mulher...” (Trecho de “Recreio das Meninas II”).
Deixo para vocês que conseguiram ficar comigo até o fim desse papo, o ótimo clipe da canção “Me dá a Penúltima” com a presença no estúdio de diversos ases aqui já citados! E saravá!








3 comentários:

G. Alvaro disse...

Muito boa a resenha. E o clipe também é muito bacana. Bom presente pra dar de aniversário rsr.

Tuca Zamagna disse...

Por que posta tão pouco, Bruno?
Seu texto é saboroso e seus temas, a julgar pelo que li aqui, essenciais.

Uma observação: as capas que ilustram este e o post anterior são do Melo Menezes, amigo de Aldir desde os tempos da adolescência em Paquetá e seu fiel escudeiro até hoje. Se o poeta botasse no papel as aventuras do Melo que testemunhou ou ouviu contarem, teríamos certamente um engraçadíssimo best seller sobre a vida boêmia carioca.

Abraço

Bruno Alvaro disse...

Nem me fale caro Tuca... Queria manter uma certa regularidade por aqui, mas tem me faltado a vergonha na cara! Li teu blog... Muito, muito bom, de dar inveja a todo carioca que está longe de casa!
Prometo que vou atualizar o velho Retropleco!

Abração!